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Marinalva Dantas

A Libertadora de Escravos

Marinalva Dantas teve uma infância pobre na periferia de Campina Grande, na Paraíba. A casa não tinha água encanada nem energia elétrica, a comida era sempre pouca e o banheiro ficava fora de casa. Quando ela tinha 3 meses de vida, seus pais decidiram embarcar em um daqueles caminhões da terra prometida, onde dizem haver trabalho e fartura, mas que, na verdade, só conduzem à escravidão moderna.


A grande sorte foi que uma vespa entrou no ouvido de Marinalva, fazendo-os abandonar a viagem. Com três anos, a menina ficou tão infestada de vermes que precisou ser levada à casa de uma tia no Rio Grande do Norte para se curar. Ali, ela viu água encanada pela primeira vez, e o que era para ser temporário se tornou permanente. A mãe relutou em deixá-la, mas sabia que ela teria uma vida melhor ali. Marinalva então pôde estudar em bons colégios, frequentar o cinema, ver televisão em casa e brincar.


Marinalva por Galeria da Lalo e Marinalva por Pablo Saborido para Revista Cláudia


Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 1978 e foi trabalhar na Febem (antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). Casou-se e teve filhos, até que, em 1984, passou em um concurso para auditora fiscal do trabalho. Sua experiência na Febem acabou a encaminhando para missões com foco em crianças. Dez anos depois, já como chefe de fiscalização, foi convidada a participar de um núcleo recém-criado pelo Governo Federal para acabar com o trabalho escravo. Assim, em 1995, passou a fazer parte do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, ligado ao Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF).


Aos 41 anos, ela começava a mudar a vida de milhares de brasileiros pobres com seu trabalho. Suas primeiras operações foram em usinas de cana-de-açúcar em Alagoas, onde encontrou realidades chocantes com adultos e crianças em situação irregular, que trabalhavam das 5 horas da manhã até o pôr do sol, com almoço azedo, água suja, sem banheiro, impedidos de fugir e com salários atrasados e dívidas se acumulando.


Com seu trabalho, Marinalva ajudou a libertar cerca de 2.500 escravos. Em 2003, ganhou a medalha Chico Mendes por seu trabalho em defesa dos direitos humanos. No entanto, Marinalva viu sua fama se voltar contra ela. Nunca teve problemas em denunciar políticos e autoridades que exploravam a mão de obra escrava; porém, essas pessoas prejudicavam seu trabalho. Suas entrevistas de denúncia nunca eram exibidas e o trabalho burocrático aumentou absurdamente, reduzindo as ações em campo. Em Natal, ela foi proibida de autuar devido à ordem de um juiz. Devido a isso, ela voltou ao combate do trabalho infantil como chefe da Divisão de Erradicação do Trabalho Infantil e retirou dessa situação cerca de 15 mil crianças, que puderam voltar a estudar e brincar.


Marinalva segue com seu trabalho até hoje. Em 2017, o Brasil ainda tinha 2,7 milhões de crianças trabalhando, segundo uma pesquisa do PNAD. Marinalva diz que só vai parar quando essa realidade se extinguir.



Curiosidade:

A escravidão moderna, ou servidão por dívidas, tem um método perverso de tornar uma pessoa cativa. Um aliciador chamado de “gato”, vai a povoados pobres prometendo trabalho, coloca os interessados na caçamba do caminhão e começa a cobrar dívidas desde a viagem, que nenhum trabalhador sabe que terá que pagar. Já nas fazendas os salários atrasam meses, não há registro em carteira de trabalho, a comida custa três vezes mais, muitos são trancados a noite para não fugirem ou vivem em barracos de lona improvisados. A refeição vem estragada, a água é barrenta e a jornada de trabalho é de até 15h por dia. Repletos de dívidas e cercados por capatazes, eles não podem ir embora.


No Brasil, estima-se que 1.053.000 pessoas vivam em um cenário de escravidão contemporânea de acordo com relatório da ong internacional Walk Free Foundation, o que coloca o país em 11º lugar no ranking mundial.

Trechos retirados e inspirados no livro Extraordinárias - Mulheres que Revolucionaram o Brasil [Ed. Seguinte I 2019 ]

 
 
 

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