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Niéde Guidon

Uma Mulher que Mudou a História

Paulista nascida em Jaú, Niéde se inscreveu para o vestibular de medicina, mas passou mal no dia da prova. Resolveu, então, cursar História Natural e se apaixonou por botânica, zoologia e genética. Depois de formada, foi trabalhar na seção de arqueologia do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, sem ter nenhum conhecimento sobre as técnicas e os processos envolvidos. Porém, ela viajou para a França e fez especialização em pré-história pela Sorbonne, onde mais tarde fez também doutorado e pós-doutorado.


Em 1963, Niéde voltou ao Brasil e organizou uma exposição sobre pinturas rupestres, cujos principais sítios, na época, limitavam-se a Minas Gerais. Foi então que um dos visitantes da exposição mostrou a Niéde uma foto que lhe revelaria um novo e antigo mundo. A imagem do local no Piauí não saiu de sua cabeça; ela planejava uma visita em dezembro, mas foi impedida devido ao período de chuvas.


Com o golpe militar em 1964, muitos professores da USP foram denunciados como comunistas. Para não correr o risco de ser presa e torturada, Niéde voltou para Paris, onde se estabilizou como profissional. Em 1970, ela retornou ao Brasil para fazer um estudo com índios de Goiás e aproveitou a oportunidade para finalmente ir ao local da foto: São Raimundo Nonato. Na primeira visita à cidade, já identificou cinco sítios arqueológicos. Retornando a Paris, ela montou um projeto de pesquisa na região e, em pouco tempo, descobriu mais de sessenta sítios.


Níede Guidon por Galeria da Lalo e Niéde Guidon em trabalho de escavação durante os primeiros anos na Serra da Capivara. Imagem: Acervo Fumdham


Cinco anos mais tarde, ela conseguiu um financiamento do governo francês para uma missão permanente na área, que abriga mais de 400 sítios arqueológicos, uma riqueza de valor incontestável. Para proteger tudo isso, o governo brasileiro criou o Parque Nacional da Serra da Capivara em 1979, e Niéde fundou, em 1986, a Fundação Museu Homem Americano (Fumdham), também com o objetivo de garantir a preservação da área. Hoje em dia, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) divide com a Fumdham as responsabilidades de manutenção e cuidado da área.


Niéde Guidon no início da sua missão na Serra da Capivara Crédito: Divulgação/Fumdham
Niéde Guidon no início da sua missão na Serra da Capivara Crédito: Divulgação/Fumdham

Em meio a tantas pesquisas, ela recebeu de um laboratório francês a datação de uma fogueira que poderia ser de 20 mil anos atrás. Até então, não se tinha registro de nada tão antigo na América do Sul. Segundo a teoria norte-americana, mas aceita por alguns, o homem teria chegado à América há 15 mil anos, mas para Niéde essa hipótese vinha de uma atitude conservadora e pelo fato de os profissionais não terem escavado tão fundo. Com a continuidade das investigações, apareceram datações ainda mais antigas, mostrando que, há cerca de 100 mil anos, já havia presença humana ali.


Mesmo gerando controvérsias, sua teoria hoje é aceita por especialistas renomados ao redor do mundo. Além de seres humanos, lá viveram animais hoje extintos, como preguiças de três toneladas e tatus gigantes. Após a descoberta de Niéde, a presença do Homo sapiens na América do Sul, como compreendíamos, mudou para sempre. Persistente, guerreira e dona de uma personalidade forte, ela encarou inúmeros problemas orçamentários que o parque enfrentou ao longo dos anos, muitas vezes tendo de demitir levas de funcionários. Nem mesmo a ameaça de empresários do agreste a intimidou. Certa vez, um produtor de cal chegou a marcar data e hora para matá-la. Destemida, ela foi ao encontro. Quem não compareceu foi ele.


As descobertas de Niéde não apenas transformaram o entendimento sobre a presença humana na América do Sul, mas também simbolizam a coragem e a determinação de uma mulher que cuja paixão pela pesquisa e pela preservação do patrimônio cultural nos inspira a valorizar a história e a diversidade de nosso planeta.


foto esquerda: A arqueóloga Niède Guidon, Estadão. ZOET, Márcia - 1990. foto direita:A arqueóloga Niède Guidon. Acervo Fundação do Homem Americano


"E como eu gosto muito de mudar, não gosto de sempre a mesma coisa, eu acho que por isso que eu gosto muito da arqueologia. Você nunca sabe o que vai acontecer amanhã (...)”.

Trechos retirados e inspirados no livro Extraordinárias - Mulheres que Revolucionaram o Brasil [Ed. Seguinte I 2019 ]

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